Queimando etapas. Do construtivismo na arquitetura e na poesia às mídias digitais: a procura de parâmetros para o entendimento das mídias emergentes e a formação de um público especializado no Brasil

timeline de eventos em arte e tecnologia até o ano 2007 quando o artigo foi escrito

 

Linha cronológica dos eventos em arte e tecnologia de 1949/2007

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Ao buscarmos parâmetros para o entendimento da atual criação em arte e tecnologia e a formação de um público específico no Brasil, destacamos as condições de produção material. As bases de produção material normalmente subordinadas à situação econômica-social estão implicadas nas resoluções estéticas dos formatos artísticos. Entretanto, a aculturação e modernização do país se deram através de um processo pautado na importação de modelos estrangeiros artificialmente implantados sem uma maturação orgânica que nomeamos como “queima de etapas”. O processo de aculturação no Brasil foi feito de sobressaltos e transposições inesperadas como a vinda de D. João VI ao Brasil, em 1807. De 1807 a 1816 o Brasil de colônia vira reino, e são instituídos o Museu Nacional, a Biblioteca Nacional, a Academia de Belas Artes, a Imprensa Régia, o Banco do Brasil. Com a Imprensa Régia o Brasil teve a introdução da litografia sem atraso em relação a outros países da Europa. Fato que comprova como certas tecnologias foram aqui implantadas ao mesmo tempo que em outros centros mais adiantados, queimando etapas, sem o devido aparelhamento das instituições culturais e sem as necessárias evolução e maturação do contexto local.

O movimento antropofágico de Oswald e Mario de Andrade de 1922, que pensava fundar uma cultura própria, marcou um retorno à figuração de cunho primitivista que representava uma estrutura econômico social patriarcal e agrária. O contexto cultural e político que antecede a produção específica em arte e tecnologia é indagante: a priorização do investimento nas tecnologias da comunicação, sobretudo as de massa, para a expansão e melhor atuação do governo central, a coincidência da industrialização do país com ênfase na imigração e do “desenvolvimentismo” e suas políticas de branqueamento da raça e de superação das importações, e o esforço de certos empresários sobretudo de São Paulo para fazer a metrópole ser partícipe do cenário artístico internacional através de políticas pedagógicas culturais efetivas. Assis Chateaubrian inaugurou em 1947 o Museu de Arte de São Paulo, Masp, e Francisco Matarazzo, o Ciccilo, funda o museu de Arte Moderna, o MAM, que terá como extensão de suas atividades a fundação da Bienal de São Paulo em 1951. Não obstante a dificuldade de países periféricos de acesso a bens culturais, os limitados recursos e as precárias condições de produção material que dificultam ainda mais a criação artística de ponta, são notáveis as antecipações cinéticas e minimalistas dos artistas latino americanos, sobretudo do brasileiro Abraham Palatnik, e os investimentos fundadores no Brasil de uma Computer Art. No Brasil a primeira exposição de Computer Art foi organizada por Waldemar Cordeiro em 1971. A exposição se chamou Arteônica ⎯ nome achado da mescla entre arte e eletrônica. As primeiras e fenomenais experimentações em arte e tecnologia na categoria de Computer Art foram conduzidas por Waldemar Cordeiro associado ao físico e matemático Giorgio Moscati na Faculdade de Física da Unversidade de São Paulo em 1968. A Computer Art no Brasil que utilizou métodos digitais para a criação encontra os antecedentes metodológicos na arte concreta e no pioneirismo da poesia concreta cujos principais mentores, os irmãos Campos, Haroldo e Augusto, e Décio Pignatari tinham afinidades teóricas e mesmos interesses científicos de Waldemar Cordeiro. Testemunha deste pioneirismo foi a publicação “Poesia concreta” do número 3 da revista Noigandres que data de 1956, quando houve a primeira exposição “Exposição Nacional de Arte Concreta” no Museu de Arte Moderna e seus poemas cujo sentido só surgiam na manipulação das páginas que já se encaminhavam aos poemas-objeto.

Embora desde os anos 40 e 50 as obras participativas das artistas brasileiras Mary Vieira e Ligia Clark convidassem o participante a interagir, e as manifestações de Hélio Oiticica e Ligia Clark se voltassem claramente à concepção de uma arte processual rompendo com a arte objetual de antes. Todavia as experiências da arquitetura construtivista e as iniciativas das músicas concreta e eletroacústica confluíram para o desenvolvimento da produção em arte e tecnologia, todas estas correntes marcadas por um racionalismo que coincidiu com o período de industrialização no país.

Entretanto para Walter Zanini a produção dos artistas brasileiros em arte e tecnologia, marcada antes por um acanhamento, só foi ativada pelos espaços de experimentação tecnológica. Na década de 60 o primeiro espaço experimental no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro abriu as portas a pesquisas inovadoras sob a orientação dos artistas Lygia Pape, Antônio Manuel, Cildo Meireles, Anna Bela Geiger, Barrio e Antonio Dias. A participação expressiva de artistas plásticos nas investigações temporais do Super 8 e do 16 mm desenvolveu uma linguagem que Hélio Oiticica denominou de “Quase-cinema”. Essas manifestações foram mostradas na Expo-projeção, organizada por Aracy Amaral em 1973 em São Paulo. Mas somente em 1976 o MAC-Usp de São Paulo sob a direção de Walter Zanini adquiriu o equipamento portapak da Sony que viabilizou a realização de projetos de vários artistas como Regina Silveira, Julio Plaza, Carmela Gross, Gabriel Borba, Marcelo Nietsche e Gastão de Magalhães.

A Bienal como exposição internacional manteve os artistas informados das pesquisas mais relevantes e trouxe alguns exemplos em arte e tecnologia. A IX Bienal de 1969, mesmo com o boicote das participações internacionais devido à presença dos militares no poder, abriu timidamente uma seção chamada Arte/Tecnologia. Desta edição participaram entre outros artistas Chryssa Mavromichali, Utz Kapmann, Gyula Kosice, construtivista argentino pioneiro na utilização de recursos tecnológicos hidráulicos, Roberto Moriconi com experimentações eletromecânicas, Efizio Putzolu e Maurício Salgueiro que participou também da XI Bienal de 1971, da seção Arte, Ciência, Vida, Tecnologia. A exposição VI Jovem Arte Contemporânea da USP, JAC-72, no Parque Ibirapuera de São Paulo, valorizou prioritariamente o processo em relação às questões formais mostrando as pesquisas mais recentes da performance. No ano de 1973 a XII Bienal teve em sua seção “Arte e Comunicação” Waldemar Cordeiro sem muita repercussão entre seus pares. Nesta edição as articulações internacionais ficaram a cargo de Vilém Flusser que trouxe Fred Forest. A proposta de Fred Forest foi gerir um escritório de comunicação com o “Passeio Sociológico pelo Bairro do Brooklin”. A participação da vídeo-arte, projetada para acontecer na Bienal de 1973, foi somente efetiva nas edições dos anos de 1975 de 1977 com a presença de Nam June Paik, Vito Acconci, Richard Serra e Bruce Nauman entre outros. As explorações com novas tecnologias como xerox, serigrafias, offset, postais, gráficos, fotografias e diapositivos foram expostas na Prospectiva 74 e Poéticas Visuais de 1977, organizadas por Walter Zanini em colaboração de Júlio Plaza, ambas no Museu de Arte Contemporânea, MAC-Usp, do Parque Ibirapuera.

O I Encontro Internacional de Vídeo-arte de 1978, sediado no Museu de Imagem e Som de São Paulo, discutiu a interatividade e as telecomunicações em propostas de arte e tecnologia. A continuidade deste enfoque coube à organização de Julio Plaza das exposições de Arte Postal (XVII Bienal) e de Arte e Videotexto (XVIII Bienal) das Bienais de 1981 de 1983.

O papel de formação desde os anos 50 coube principalmente à Bienal com seu projeto pedagógico de levar as massas às exposições fazendo com que o público incorporasse novas linguagens como a arte holográfica, video arte, arte e comunicação, etc. Outras instituições foram sendo criadas como as iniciativas mais recentes focadas na divulgação e formação de público das mídias digitais. Em São Paulo o VideoBrasil criado em 1991 e seu Festival Internacional de Arte Eletrônica de 1994, o Festival Internacional de Linguagem Eletrônica, FILE, criado em 2000, o Itaúlab e as exposições e simpósios como o Emoção Art.ficial promovidos pelo Itaúcultural, e o Prêmio Cultural Sergio Motta de Arte e Tecnologia criado em 2000, e no Rio de Janeiro, a revista eletrônica Canal Contemporâneo, o FILE Rio e o Centro Cultural Telemar, criado em 2005 e hoje Centro Cultural Oi futuro.

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Guadagnini, Silvia; Fachinello, Sandra; Guasque, Yara
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Artigo escrito em 2007
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